quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Sem terra sofrem pressão de usineiros em Ribeirão Preto


Direto do Sítio - Caros Amigos - Portal Terra


Famílias ocupam área de usina há quatro anos
Por Silvia Beatriz Adoue
Especial para Caros Amigos

Ribeirao-i
“Nossas armas atiram de verdade, é melhor se cuidar”. Assim disse um dos agentes da empresa de segurança contratada pela Usina Nova União, em Serrana, na região de Ribeirão Preto, para três mulheres do acampamento “Alexandra Kollontai”. A usina arrenda a Usina Martinópolis e a Fazenda Martinópolis, ocupada pelas famílias do acampamento desde o sábado, 11 de fevereiro. As famílias, organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, estão acampadas faz quatro anos. Muitos dos acampados já trabalharam nessa terra, desde 1972 dedicada ao monocultivo de cana para produção de açúcar e álcool, e demandam por ela para produzir alimentos. É a sexta vez que o acampamento ocupa a fazenda, de 1.817 hectares.

Pressão psicológica

A juíza da comarca, Andrea Schiavo, ainda não decidiu sobre o pedido de reintegração de posse solicitado no dia 13 de fevereiro pelos advogados da Usina Martinópolis. Porém, a arrendatária tem apostado na pressão psicológica e no amedrontamento das famílias, através das rondas permanentes dos seguranças, além da circulação nas ruas do assentamento Sepé Tiaraju, área federal que fica do lado do acampamento. Movimentam-se em cinco Gols prata sem mais identificação que a placa.

Fato semelhante ocorreu em 11 de junho de 2009, quando o MST ocupou a mesma área. Logo pela manhã, dois carros com seguranças armados se aproximaram do acampamento, chamando para uma conversa com o suposto líder e exibindo duas armas. Foram embora e no dia seguinte voltaram à noite e dispararam contra as famílias. Por sorte, ninguém se feriu.

As empresas que exploram a área têm um histórico de sonegação de ICMS. A Martinópolis sofre um processo por esse motivo cuja execução tramita na Vara Pública de Ribeirão Preto. A Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região vem investigando a Usina Nova União por driblar compromissos trabalhistas, entre outros procedimentos, pela terceirização das contratações, além de oferecer transporte e alojamento precários, não fornecer equipamento de segurança aos trabalhadores, pagar por produtividade e levando assim os trabalhadores à exaustão e demitir os funcionários grevistas. A FUNAI de Mato Grosso do Sul já teve que intervir quando houve a contratação ilegal de 300 indígenas para trabalhar no corte de cana na fazenda paulista. A Cetesb, órgão que fiscaliza as questões ambientais, já multou a empresa. Os riscos da contaminação são bem perigosos, já que a Fazenda Martinópolis faz limite com o rio Pardo.

Plano de recuperação

A juíza da comarca de Serrana, Andrea Schiavo, aceitou, no dia 2 de fevereiro, o pedido de um grupo de cinco empresas para apresentar um plano de recuperação para a usina. A juíza deu pra a apresentação desse plano um prazo de 60 dias. As empresas envolvidas são Nova União Açúcar e Álcool, Agropecuária Campo Limpo, Agropecuária Ipê, Santa Maria Agrícola e Sociedade Agrícola Santa Mônica.

A área não consegue se reerguer desde 1995 nas mãos das empresas privadas. As famílias querem produzir alimentos nessa terra, onde muitas delas deixaram já seu suor sem nada ter em troca. Na hora em que elas realizam essa demanda, são amedrontadas por ameaças de jagunços modernos.
Muito tem se falado da modernidade do agronegócio. Muito se argumenta, em seu favor, que teria superado as mazelas do velho latifúndio: a sua ilegalidade para lidar com o público, com o trabalho e o recurso à violência dos pistoleiros. Segundo esse discurso, seria o agronegócio, e não a reforma agrária, quem conseguiria um desenvolvimento desejado no campo. A política fundiária do Estado aponta para impulsionar esses empreendimentos empresariais como ponta de lança do progresso. Assim, os assentamentos conquistados pela luta pela reforma agrária deveriam se adaptar à linha geral, se tornando funcionais ao agronegócio, sob risco de se reduzir a poeira cósmica.

Prejuízos

Eis que o agronegócio, ali onde aparece mais vigoroso, como é na região canavieira do estado de São Paulo, herda todas as mazelas do latifúndio, com um adicional de prejuízo para o meio ambiente e o trabalho, pela utilização de tecnologias de alto impacto. O uso da violência no campo também, longe de amainar, vem se tornando mais eficiente. A contratação de empresas de segurança terceirizadas também tem servido para driblar responsabilidades. O assassinato do militante Valmir Mota de Oliveira, o Keno, no Paraná, em 2007, em terras exploradas pela transnacional Syngenta, mas a mãos de seguranças de uma empresa terceirizada contratada pela transnacional, assim o atesta.
As políticas de direitos humanos pouco podem, se atacam apenas as consequências da estrutura fundiária. Digamos que são políticas compensatórias não “estruturantes”. A proteção e a segurança do povo só poderão ser consolidadas com reforma agrária. Isto é, mudando a estrutura fundiária que gera violência. Quanto maiores os interesses, maior a violência.
No domingo, as crianças montaram uma “árvore de livros”, com os 300 títulos da biblioteca do acampamento. E foi um dia de leitura. As famílias do acampamento “Alexandra Kollontai” querem cuidar da terra para vida. Não é temeridade. Querem viver, não querem morrer. Mas para viver precisam da terra. E permanecem resistindo na Fazenda Martinópolis. Já começaram o plantio de agrofloresta. E pretendem ali continuar, para produzir alimentos baratos e saudáveis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Arquivo do blog