Parte do capítulo de Friedrich Engels escrito em 1845,
A situação da classe
trabalhadora na Inglaterra
ENGELS, Friedrich, 1820-1895
Desconheço
uma classe tão profundamente imoral, tão incuravelmente corrupta, tão incapaz
de avançar para além do seu medular egoísmo como a burguesia inglesa - e penso
aqui na burguesia propriamente dita, em particular a liberal, empenhada na
revogação das leis sobre os cereais.
Para
ela, o mundo (inclusive ela mesma) só existe em função do dinheiro; sua vida se
reduz a conseguir dinheiro; a única felicidade de que desfruta é ganhar
dinheiro rapidamente e o único sofrimento que pode experimentar é perdê-lo1.
Essa avidez, essa sede de dinheiro impede a existência de quaisquer
manifestações do espírito humano que não estejam maculadas por ela. É certo que
os burgueses da Inglaterra são bons maridos e pais de família, possuem aquilo a
que se chamam virtudes privadas e, nas relações cotidianas, parecem tão
respeitáveis e honestos quanto todos os outros burgueses - aliás, até mesmo nos
negócios, é melhor tratar com eles que com os burgueses alemães, já que não são
cavilosos e matreiros como os nossos comerciantes. Mas tudo isso está
subordinado, em última instância, ao que sempre é decisivo: seu interesse
privado e, especificamente, sua obsessão de ganhar dinheiro. Certa feita, percorri
Manchester em companhia de um desses burgueses e falei-lhe da má arquitetura, da
insalubridade, das condições horríveis dos bairros operários e disse-lhe que jamais
vira uma cidade construída em piores condições. Ele me escutou com
tranquilidade e, na esquina em que nos separamos, declarou, antes de nos
despedirmos: "And yet, there is a great áeal ofmoney made here"
[E, apesar disso, aqui se ganha um bom dinheiro]. Ao burguês da Inglaterra
não lhe causa mossa que seus operários morram ou não de fome, desde que ganhe
dinheiro. Todas as relações humanas são subordinadas ao imperativo do lucro e
aquilo que não propicia ganhos é visto como algo insensato, inoportuno e
irrealista. É por isso que a Economia Política, ciência que se ocupa dos meios
de ganhar dinheiro, é a disciplina favorita desses traficantes - são todos
economistas.
A
relação entre o industrial e o operário não é uma relação humana: é uma relação
puramente económica - o industrial é o "capital", o operário é o
"trabalho". E quando o operário se recusa a enquadrar-se nessa
abstração, quando afirma que não é apenas "trabalho", mas um homem
que, entre outras faculdades, dispõe da capacidade de trabalhar, quando se
convence que não deve ser comprado e vendido enquanto "trabalho" como
qualquer outra mercadoria no mercado, então o burguês se assombra. Ele não pode
conceber uma relação com o operário que não seja a da compra-venda; não vê no
operário um homem, vê mãos (hands), qualificação que lhe atribui
sistematicamente.
O
burguês, para retomar a expressão de Carlyle, só reconhece um vínculo entre os
homens: o pagamento à vista. Até mesmo a relação entre ele e sua mulher é, em
99% dos casos, a do pagamento à vista. A miserável escravidão que o dinheiro
exerce sobre o burguês mostra a marca do domínio da burguesia, inclusive na
linguagem: como o dinheiro passa a constituir o valor do homem, esse homem vale
dez mil libras (he is worth ten thousand pounds), isto é, ele possui dez mil
libras; quem tem dinheiro é respeitável (respectable), pertence à melhor
categoria de pessoas (the better sort of a people), é influente (inflnential) e
seus atos são apreciados em seu meio. O espírito mercantil penetra toda a
linguagem, todas as relações vêm designadas por expressões comerciais e
explicadas mediante categorias econômicas. Encomenda e fornecimento, demanda e
oferta são fórmulas com base nas quais a lógica do inglês ajuíza toda a vida
humana. Eis o que permite compreender o respeito universal pela livre
concorrência e o regime do laissez-faire e laissez-aller" na administração,
na medicina, na educação e em breve, muito provavelmente, também na religião,
onde a supremacia da Igreja estatal perde terreno progressivamente. À livre
concorrência repugnam quaisquer limites, quaisquer controles estatais; o Estado
aparece-lhe como um estorvo: seu ideal seria operar numa ordem social privada
de Estado, na qual cada um pudesse explorar livremente o próximo, como, por
exemplo, na "Associação" do nosso amigo Stirnerb. Mas como não pode
dispensar o Estado, já que não teria como conter o proletariado sem ele, a
burguesia utiliza-o contra a classe operária, ao mesmo tempo em que procura, na
medida do possível, afastá-lo de seus próprios negócios.
Fonte: ENGELS, Friedrich, 1820-1895. A situação da classe
trabalhadora na Inglaterra; tradução B.
A. Schumann; edição José Paulo Netto. - São Paulo: Boitempo, 2008, pg 307; 308
e 309.
E Friedrich Engels conclui:
Mas, reitero, estou convencido
de que a guerra dos pobres contra os ricos, que hoje vem se desenrolando na
Inglaterra de modo esporádico e indireto, evoluirá para um confronto geral,
total e direto. Já é tarde para uma solução pacífica. As classes vão se opondo
cada vez mais nitidamente, o espírito de resistência cresce dia a dia entre os
operários, a cólera torna-se mais intensa, as escaramuças isoladas da guerrilha
confluem para combates e manifestações mais importantes e em breve um pequeno
incidente bastará para desencadear a avalanche. Então, certamente ecoará por
todo o país o grito: Guerra aos palácios, paz nos campos! - e já será tarde
para que os ricos possam se pôr em guarda. (ENGELS, Friedrich, A situação da
classe trabalhadora na Inglaterra p. 328).
Fico pensando na situação do Brasil... nem no Capitalismo a gente chegou. É só cartel, monopólio, oligopólio, o capital sempre dando a última palavra e mamando nas tetas do estado. E depois do que passamos de 64 a 85, seguimos felizes como se já estivéssemos numa democracia.
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