terça-feira, 11 de agosto de 2015

A situação da classe trabalhadora na Inglaterra

Parte do capítulo de Friedrich Engels escrito em 1845, 

A situação da classe trabalhadora na Inglaterra


ENGELS, Friedrich, 1820-1895




Desconheço uma classe tão profundamente imoral, tão incuravelmente corrupta, tão incapaz de avançar para além do seu medular egoísmo como a burguesia inglesa - e penso aqui na burguesia propriamente dita, em particular a liberal, empenhada na revogação das leis sobre os cereais.
Para ela, o mundo (inclusive ela mesma) só existe em função do dinheiro; sua vida se reduz a conseguir dinheiro; a única felicidade de que desfruta é ganhar dinheiro rapidamente e o único sofrimento que pode experimentar é perdê-lo1. Essa avidez, essa sede de dinheiro impede a existência de quaisquer manifestações do espírito humano que não estejam maculadas por ela. É certo que os burgueses da Inglaterra são bons maridos e pais de família, possuem aquilo a que se chamam virtudes privadas e, nas relações cotidianas, parecem tão respeitáveis e honestos quanto todos os outros burgueses - aliás, até mesmo nos negócios, é melhor tratar com eles que com os burgueses alemães, já que não são cavilosos e matreiros como os nossos comerciantes. Mas tudo isso está subordinado, em última instância, ao que sempre é decisivo: seu interesse privado e, especificamente, sua obsessão de ganhar dinheiro. Certa feita, percorri Manchester em companhia de um desses burgueses e falei-lhe da má arquitetura, da insalubridade, das condições horríveis dos bairros operários e disse-lhe que jamais vira uma cidade construída em piores condições. Ele me escutou com tranquilidade e, na esquina em que nos separamos, declarou, antes de nos despedirmos: "And yet, there is a great áeal ofmoney made here" [E, apesar disso, aqui se ganha um bom dinheiro]. Ao burguês da Inglaterra não lhe causa mossa que seus operários morram ou não de fome, desde que ganhe dinheiro. Todas as relações humanas são subordinadas ao imperativo do lucro e aquilo que não propicia ganhos é visto como algo insensato, inoportuno e irrealista. É por isso que a Economia Política, ciência que se ocupa dos meios de ganhar dinheiro, é a disciplina favorita desses traficantes - são todos economistas.
A relação entre o industrial e o operário não é uma relação humana: é uma relação puramente económica - o industrial é o "capital", o operário é o "trabalho". E quando o operário se recusa a enquadrar-se nessa abstração, quando afirma que não é apenas "trabalho", mas um homem que, entre outras faculdades, dispõe da capacidade de trabalhar, quando se convence que não deve ser comprado e vendido enquanto "trabalho" como qualquer outra mercadoria no mercado, então o burguês se assombra. Ele não pode conceber uma relação com o operário que não seja a da compra-venda; não vê no operário um homem, vê mãos (hands), qualificação que lhe atribui sistematicamente.

O burguês, para retomar a expressão de Carlyle, só reconhece um vínculo entre os homens: o pagamento à vista. Até mesmo a relação entre ele e sua mulher é, em 99% dos casos, a do pagamento à vista. A miserável escravidão que o dinheiro exerce sobre o burguês mostra a marca do domínio da burguesia, inclusive na linguagem: como o dinheiro passa a constituir o valor do homem, esse homem vale dez mil libras (he is worth ten thousand pounds), isto é, ele possui dez mil libras; quem tem dinheiro é respeitável (respectable), pertence à melhor categoria de pessoas (the better sort of a people), é influente (inflnential) e seus atos são apreciados em seu meio. O espírito mercantil penetra toda a linguagem, todas as relações vêm designadas por expressões comerciais e explicadas mediante categorias econômicas. Encomenda e fornecimento, demanda e oferta são fórmulas com base nas quais a lógica do inglês ajuíza toda a vida humana. Eis o que permite compreender o respeito universal pela livre concorrência e o regime do laissez-faire e laissez-aller" na administração, na medicina, na educação e em breve, muito provavelmente, também na religião, onde a supremacia da Igreja estatal perde terreno progressivamente. À livre concorrência repugnam quaisquer limites, quaisquer controles estatais; o Estado aparece-lhe como um estorvo: seu ideal seria operar numa ordem social privada de Estado, na qual cada um pudesse explorar livremente o próximo, como, por exemplo, na "Associação" do nosso amigo Stirnerb. Mas como não pode dispensar o Estado, já que não teria como conter o proletariado sem ele, a burguesia utiliza-o contra a classe operária, ao mesmo tempo em que procura, na medida do possível, afastá-lo de seus próprios negócios.


Fonte: ENGELS, Friedrich, 1820-1895. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra;  tradução B. A. Schumann; edição José Paulo Netto. - São Paulo: Boitempo, 2008, pg 307; 308 e 309.



E Friedrich Engels conclui:

Mas, reitero, estou convencido de que a guerra dos pobres contra os ricos, que hoje vem se desenrolando na Inglaterra de modo esporádico e indireto, evoluirá para um confronto geral, total e direto. Já é tarde para uma solução pacífica. As classes vão se opondo cada vez mais nitidamente, o espírito de resistência cresce dia a dia entre os operários, a cólera torna-se mais intensa, as escaramuças isoladas da guerrilha confluem para combates e manifestações mais importantes e em breve um pequeno incidente bastará para desencadear a avalanche. Então, certamente ecoará por todo o país o grito: Guerra aos palácios, paz nos campos! - e já será tarde para que os ricos possam se pôr em guarda. (ENGELS, Friedrich, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra p. 328).

Um comentário:

  1. Fico pensando na situação do Brasil... nem no Capitalismo a gente chegou. É só cartel, monopólio, oligopólio, o capital sempre dando a última palavra e mamando nas tetas do estado. E depois do que passamos de 64 a 85, seguimos felizes como se já estivéssemos numa democracia.

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