Já se
passaram aproximadamente 17 anos e 9 meses do conhecido “Massacre de Corumbiara”
onde em 14 de julho de 1995, centenas de famílias ocuparam uma parte da fazenda Santa Lina, na cidade de
Corumbiara, em Rondônia.
O texto
abaixo foi e traduzido por Suzete e refere-se à descrição do vídeo acima do texto
original escrito por Derek Indoe (Inglaterra).
A LUTA DE ADELINO RAMOS E
CLAUDEMIR RAMOS
Se há uma coisa em
que queremos acreditar é que, se formos acusados de um crime, teremos direito a
uma audiência justa diante de um tribunal de justiça. Isso porque ouvimos falar
que somos todos iguais perante a lei, quer sejamos ricos ou pobres, e que
aqueles que trabalham com a justiça são pessoas responsáveis, dignas de confiança,
abertas e transparentes em seu trabalho.
Mas isso não vale
para todo mundo. E certamente não vale para Claudemir Ramos e Adelino Ramos e
suas famílias. Este documentário é uma pequena amostra de quão diferente é a realidade
deles, na floresta amazônica, da realidade daqueles que vivem e trabalham nas
grandes cidades. Adelino Ramos e seu filho, Claudemir Ramos, são sobreviventes
do massacre de Corumbiara. Esse trágico evento é um marco na história dos
sem-terra em nosso país.
Em um verdadeiro inferno se abateu sobre aqueles
cujo único sonho tinha sido possuir um pedaço de terra para cultivar, um
direito assegurado pela Constituição de 1988.
Corumbiara foi diferente
dos outros 440 conflitos de terra que aconteceram no Brasil em 1995. Corumbiara
foi diferente dos muitos outros conflitos de terra que aconteceram em Rondônia,
em 1995. Foi diferente em função das execuções
sumárias e violentas que aconteceram nas primeiras horas daquela manhã fatídica:
torturas, espancamentos e atos
desumanos foram cometidos pela polícia e por mercenários contratados pelos
donos de terra da região.
Até hoje, os
responsáveis pelo massacre não foram indiciados. Quem vai pagar pela morte dessa
centena de pessoas? Quem vai ser responsabilizado pela destruição de tantas famílias?
Quem vai reparar a perda de tantas vidas? Há muitas perguntas sobre Corumbiara
que permanecem sem resposta.
O trabalho da professora
Helena Angélica de Mesquita talvez seja o melhor relato do que aconteceu, com
destaque para o fato de que nenhuma evidência foi apresentada nos tribunais, o
que sem dúvida chama a atenção, em especial dos observadores internacionais.
A Comissão Interamericana
de Direitos Humanos, em seu relatório de 2004, exigiu que o Estado brasileiro
realizasse uma completa, imparcial e efetiva investigação dos fatos
acontecidos, por órgãos não-militares,
para determinar a responsabilidade sobre as mortes, agressões e outros atos que
aconteceram na fazenda Santa Lina, em 9 de agosto de 1995. Decidiu também que o
Estado brasileiro deve punir todos os
atores, materiais e intelectuais,
civis ou militares, além de fazer a
adequada reparação às vítimas mencionadas nesse relatório ou seus familiares
mais próximos, de acordo com as violações de direitos humanos ali contidas.
Hoje, quase dez
anos depois, o Estado brasileiro ainda não cumpriu integralmente as
determinações do relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de
2004. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, 1.500 pessoas foram mortas pela violência no campo desde 1995, porém,
menos de cem pessoas foram condenadas
e apenas um dos que ordenaram o massacre de Corumbiara está atrás das grades.
A mesma falta de
transparência e responsabilização ocorreu também em Vista Alegre, em Rondônia,
em maio de 2011, quando Adelino Ramos foi morto, à queima roupa, diante de suas
filhas pequenas e da esposa. Seu assassino, Ozeas Vicente, era conhecido na
região como pistoleiro profissional. Contratado para cometer esse crime, ele
mesmo foi assassinado, e ambas as mortes precisam ainda ser esclarecidas. Não
será fácil descobrir quem ordenou sua morte e a morte de Dinho, como era
conhecido Adelino Ramos, pois a morte de Ozeas Vicente ensejou ao juiz arquivar
ambos os processos.
Mesmo depois do
massacre de Corumbiara, Adelino Ramos continuava a liderar o Movimento Camponês
Corumbiara, MCC. Nos 16 anos seguintes, partidário da não-violência, Dinho ajudou
trabalhadores a se estabelecerem na terra, seguindo a Constituição de 88 e a
política do governo. Foram cerca de 15 mil pessoas, assentadas em 37 locais
diferentes. Ao contrário dos grandes fazendeiros, Dinho estava interessado em dar
às pessoas no meio da floresta uma chance de trabalho e sobrevivência. Ele reunia
grupos de trabalhadores e ensinava sobre o cultivo da terra e o respeito à
natureza; como preparar a terra após a colheita, mantendo-a viva e produtiva.
Mas Dinho foi
morto. Foi morto por falar abertamente contra o corte ilegal de madeira e a destruição
da floresta pelos poderosos, interessados apenas no próprio interesse e no lucro
pessoal. Ele recebeu muitas ameaças e recusou vários subornos, até finalmente ser
morto. Esses subornos incluíam vastas extensões de terra – quanta terra ele
quisesse –, muito dinheiro e mesmo um caríssimo veículo 4 x 4. Em 2010, Dinho denunciou
a situação ao Ouvidor Agrário Nacional e à Comissão de Combate à Violência e aos
Conflitos no Campo, embora temesse pela própria vida. Ele passou às autoridades
informações relevantes sobre essas ameaças, mas nada foi feito a respeito.
Com perguntas
ainda sem respostas, em fevereiro de 2013, um grupo de militantes de São Paulo
atravessou o país até Porto Velho, sob cuja jurisdição estão Corumbiara e Vista
Alegre. Uma vez lá, conversas com diversos políticos e advogados locais
deixaram muito clara a debilidade dos sistemas democrático e legal que operam
em Rondônia. Não restaram dúvidas de que os sistemas nacional e federal ficam
em segundo plano diante dos interesses dos grandes donos de terra. Essa é uma
região que alguns, em Brasília, descrevem como território de bandidos.
De Porto Velho,
viajamos de carro em direção a oeste, à fronteira da Bolívia, para a cidade em
que Dinho foi morto, Vista Alegre do Abunã. Passamos por imensas estradas de uma
bela paisagem, em que a derrubada da floresta abriu caminho para o gado. Para
alimentar uma única rês é preciso
cortar aproximadamente um acre (4 km2)
de floresta e transformá-lo em pasto. Pode-se ganhar muito dinheiro com
essas fazendas e seus grandes rebanhos. Em todo o trajeto, não conseguimos avistar
vilas ou pessoas vivendo e trabalhando nesse vasto território que um dia foi
coberto por florestas. Ao contrário, são as estradas, ampliadas e modernizadas em
anos recentes, que chamam a nossa atenção.
Seguimos em
frente e atravessamos o vasto rio Madeira, maravilhados pela majestade e beleza
de um dos grandes tributários do rio Amazonas, com cerca de 3.250 km de extensão.
Depois de uma viagem de cerca de 200
km de carro, chegamos a Vista Alegre.
Vista Alegre é um
lugar promissor, mas o progresso ainda não chegou lá. É um lugar pouco
acolhedor e onde qualquer forasteiro pode ser facilmente identificado. As casas
e cercas de madeira atestam que a cidade é muito dependente da indústria
madeireira. É um fato que não se pode negar. E quem quiser ignorá-lo, fica por
sua conta e risco.
Viemos à cidade
de Vista Alegre do Abunã, no estado de Rondônia, para falar com os policiais da
delegacia da cidade, que transmitiram as primeiras notícias da morte de Adelino.
Eles educadamente disseram que não podiam responder a nenhuma pergunta. Todas
as investigações relevantes tinham sido realizadas pela Polícia Federal, que
não revelou suas descobertas à Polícia Civil. Nós nos perguntamos onde estava a
transparência, a ação conjunta das polícias na investigação de um caso de
assassinato ainda em aberto?
Disseram-nos que
ao menos duas pessoas em Vista Alegre, nos diriam o que tinha acontecido com
Dinho. Fomos entrevistá-los. Um deles se recusou a fazer qualquer declaração
que pudesse ser divulgada. Outro negou ser amigo de Dinho e chegou até a dizer
que não o conhecia. Ambos pareciam assustados, e ambos forneceram informações falsas
sobre o local em que Dinho foi morto. Foi um dia muito triste para a democracia,
a solidariedade humana e a justiça brasileira.
Não há nada que
assinale o local em que Adelino Ramos, o Dinho, foi morto, em maio de 2011,
diante das próprias filhas. É muito
conveniente para quem quer que tenha sido o mandante, que sua morte terrível
caia no esquecimento. O homem que o matou também está morto. Nenhum nome
identifica a estrada de terra. Como o corte ilegal de madeira, este líder dos sem-terra
teve sua vida ceifada, e a morte de Dinho clama aos céus por justiça. Esta é
uma terra em que a grama cresce e os caminhões carregados de madeira ilegal partem
sem que ninguém diga uma palavra.
Mas o filho de
Dinho ainda está em busca de justiça para si mesmo e para seu pai.
Claudemir Ramos
sempre negou ser responsável pelo que aconteceu em Corumbiara. Ele nega a
afirmação de que teve um julgamento justo. Ele se lembra de ter sido torturado,
jogado na prisão e ter conseguido escapar. Claudemir Ramos se considera um
fugitivo da injustiça e descreve
Corumbiara como uma tragédia de morte e
tortura para os trabalhadores. Ele já pensou muitas vezes em se entregar,
mas se fizer isso, ele sabe que, como seu pai, será morto por aqueles que temem
que surjam líderes entre os camponeses para lutar pelo direito à terra. Claudemir
rejeita a violência como solução e espera que as urnas eleitorais tragam a
mudança e a reforma agrária para o Brasil. Mas, para que isso aconteça, ele
acredita que é preciso que o governo tenha mais coragem e trabalhe mais perto
do povo do campo, em solidariedade, sem ceder aos poderosos e aos donos de
terra.
Muitos homens
abastados buscam apenas o próprio interesse. Claudemir afirma que seu pai era
um homem que não podia ser comprado pelos latifundiários, e funcionários
corruptos do governo, que ele tinha a devida autoridade e documentação das organizações
do governo, INCRA e IBAMA, e que foi morto defendendo a floresta do Amazonas e
ajudando trabalhadores a se estabelecerem na terra em meio à corrupção. Ele afirma
que não há justiça para os pobres, no Brasil, apenas para os ricos. Perguntamos
o que ele diria aos europeus que dizem: “Mas isso é o que era de se esperar, no
Brasil, não é?” e ele respondeu que é muito triste ouvir que os europeus
considerariam que seja normal, em qualquer lugar do mundo, que as pessoas
tenham de lutar para ter seus direitos básicos respeitados.
Mais tarde, nos
encontramos com a irmã de Claudemir, Célia. Ela disse que sua família foi
gravemente afetada por Corumbiara. Seu irmão é perseguido ainda hoje, e é
procurado por um crime que não cometeu. Ela compara seu pai, que era líder dos
camponeses no tempo de Corumbiara, ao bom pastor, que sacrifica seus interesses
pelos interesses dos outros. Ela afirma que ele foi uma luz para os outros,
ajudando a estabelecer mais de 15 mil pessoas em 37 assentamentos. Ao perguntarmos
se ela achava que o sacrifico de seu pai tinha valido a pena, ela disse que
sim. Célia acredita que ele morreu com Deus, que ele deu esperança às pessoas,
e mostrou um caminho para o progresso e para uma sociedade mais justa. Quanto
ao futuro dos amazonenses, ela espera que haja mudanças. Que uma sociedade mais
unida leve a uma reforma constitucional que garanta os direitos humanos para
todos. Ela anseia pelo dia em que todas as pessoas no Brasil, ricos e pobres, tenham
os mesmos direitos. Por hora, a seu ver, o atual sistema de justiça, libera o
culpado e pune o inocente.
O Brasil é um
país belo e rico, que tem fartura de alimentos e um povo hospitaleiro. Este ano
o Brasil será o anfitrião da Jornada Mundial da Juventude, à qual estará
presente o Papa Francisco. Vai sediar a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos
Olímpicos em 2016. O que faremos com as nossas mazelas? Vamos varrê-las para
debaixo do tapete da indiferença?
O Brasil almeja
uma cadeira no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Entretanto, enquanto
não encarar sua vergonhosa tolerância à injustiça com relação à terra e à igualdade
entre as pessoas, não fará por merecer esse papel de liderança.
Até quando
seremos conhecidos apenas como o país do
futuro? Que legado deixará para o país a nossa geração?
Texto de Derek Indoe
Inglaterra Traduzido por
Suzete
Isso
tudo é mesmo uma vergonha para o meu país, (BRASIL)
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