quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Carta ao Governo Brasileiro

A carta a que se refere foi enviada por organizações brasileiras, ao governo federal, tratando de propostas acerca das posições que deveriam ser adotadas pelo Brasil, durante a reunião realizada nos dias 23 e 27 de fevereiro de 2009, na Cidade do México, estando esta vinculada ao Protocolo de Cartagena de Biossegurança.

Mas no que se refere o Protocolo de Cartagena?

Este Protocolo que foi expedido inicialmente em 19/02/09 possui objetivos muito importantes que ainda devem ser aprimorados. Sua missão é clara: estabelecer regras para o movimento transfronteiriço de organismos vivos modificados (OVMs) que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando em conta os riscos para a saúde humana.
Nesta reunião as entidades cobraram no México que o governo brasileiro defendesse o regime internacional de responsabilidade vinculante e estrita no âmbito do Protocolo de Cartagena de Biossegurança. Já que no encontro realizado em maio de 2008, em Bonn na Alemanha, o Brasil impediu o avanço das negociações voltadas para a formulação de um regime vinculante de responsabilidade por danos causados pelos transgênicos.
Mesmo sem apresentar uma posição oficial durante os cinco dias de reunião (de Bonn em 2008), o país finalmente acabou concordando com o rumo predominante das conversas e aceitou um regime vinculante para não se isolar politicamente dos demais signatários do acordo.
Abaixo transcrevo a carta:


Distrito Federal, 19 de fevereiro de 2009.


Excelentíssima Senhora
Dilma Roussef
Ministra Chefe da Casa Civil
Presidente do Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS
Excelentíssimo Senhor
Celso Amorim
Ministro das Relações Exteriores
C/c Sr. Fernando Coimbra
Chefe da Divisão de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores

Excelentíssimos Senhores,

Considerando a posição declarada pelo Governo Federal, por meio do representante do Ministério das Relações Exteriores em reunião realizada no dia 06/02/2009, manifestamos nossa preocupação e nosso entendimento quanto à necessidade de o Brasil defender, na próxima reunião dos países signatários do Protocolo de Cartagena a se realizar no México, entre os dias 23 a 27, e em todas as futuras reuniões, um regime de responsabilidade vinculante e estrita.
Este é o único posicionamento admissível frente à legislação brasileira que adota a responsabilidade objetiva em matéria de biossegurança, meio ambiente e consumidor.
Solicitamos que sejam considerados os aspectos resumidos no documento ANEXO de modo a evitar que o Brasil assuma externamente posição que contraria de modo frontal a legislação vigente em nosso próprio país.

Atenciosamente,

Associação Nacional dos Pequenos Agricultores – ANPA
Associação Nacional de Agricultura Camponesa – ANAC
Associação Riograndense de Pequenos Agricultores – ARPA
AS-PTA
Greenpeace
IDEC
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Terra de Direitos
Via Campesina Brasil
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ANEXO

Regime de responsabilidade vinculante

O estabelecimento de um regime de responsabilidade vinculante no âmbito do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança é fundamental para que o Protocolo cumpra seu objetivo de “contribuir para assegurar um nível adequado de proteção no campo da transferência, da manipulação e do uso seguros dos organismos vivos modificados resultantes da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando em conta os riscos para a saúde humana”.

O desenvolvimento tecnológico em especial deve ser orientado pelo princípio da precaução. Para isto o regime de responsabilidade no âmbito do Protocolo de Cartagena deve ser vinculante e englobar todos os danos relacionados ao uso, manipulação e transporte do OVM, além de ser baseado na responsabilidade objetiva ou estrita como regra e contar com um mecanismo efetivo de liquidação de demandas.

Dessa forma, o Protocolo de Cartagena somente será efetivo com o estabelecimento da obrigatoriedade de reparação em caso da ocorrência de danos. Nenhum sistema legal é efetivo sem que explicite e obrigue medidas de reparação por danos. A existência apenas de diretrizes não garantirá a reparação de danos em países que possuem marcos regulatórios frágeis e possibilita o aumento de pressão das transnacionais de biotecnologia para que normas não sejam adotadas.

Além dos casos de danos relacionados ao movimento transfronteiriço e das contaminações ambientais já comprovadas [i] [ii] [iii], ainda permanecem as incertezas relacionadas aos efeitos dos organismos transgênicos na saúde humana e no meio ambiente. No Brasil, por exemplo, eventos de milho transgênico foram aprovados sem a concordância do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Saúde, que demonstraram a precariedade da avaliação de riscos realizada e apontaram a existência de diversos riscos à liberação comercial. As variedades liberadas pelo Governo brasileiro foram proibidas em países da Europa como a França (2008), a Áustria, a Hungria e a Grécia (2006/07).

Assim, deixar a adoção ou não de regras sobre responsabilidade por danos à mercê de decisão de cada país transforma-se em “oportunidade de negócios” e cria assimetrias no tratamento da questão dos danos ocasionados por Organismos Vivos Modificados. A reparação dos danos ocasionados por OVM é direito de todos os países, comunidades e cidadãos do mundo, por isso, deve contar com um instrumento multilateral vinculante.

Responsabilidade objetiva

A responsabilidade pela indenização e reparação dos danos ocasionados por OVMs decorre principalmente dos riscos inerentes a este tipo de tecnologia. Assim, não importa se o agente atuou com negligência, imprudência ou imperícia: existindo um dano, deve haver reparação.

A legislação brasileira adota a responsabilidade por risco na legislação de biossegurança (artigo 20 da Lei 11.105/05), na legislação ambiental (artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81 e art. 225, § 3º da Constituição Federal), na legislação consumerista (artigos 6º., VI e 12, entre outros, da Lei n. 8.078/90) e, no Código Civil, sempre “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para o direito de outrem.” (artigo 927).
O Brasil ainda reconhece a responsabilidade objetiva da Administração Pública que, neste caso, deve se responsabilizar pela autorização de espécie transgênica que provoque impacto na saúde e/ou no meio ambiente, podendo se voltar contra os agentes públicos responsáveis (artigo 37, § 6º da Constituição Federal).

Responsabilidade solidária, incluindo o detentor da tecnologia

O conceito de operador (operator ou explotador) deve possibilitar que sejam responsabilizados todos os agentes da cadeia produtiva.

É inaceitável restringir o conceito de operador à “aquele que está no controle operacional do OVM no momento da ocorrência do dano”, na medida em que este conceito restrito pode levar a situações extremamente injustas, como por exemplo, a responsabilização do agricultor em caso de danos decorrentes dos riscos da tecnologia em si e inviabilizar a responsabilização do detentor da tecnologia, que é o maior beneficiário da utilização da tecnologia.

A postura adotada pelo Brasil contraria a própria legislação nacional. O artigo 20 da Lei 11.105/05 (Lei de Biossegurança) determina que os “responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa”.

O Código de Defesa do Consumidor define “fornecedor” como “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. A regra geral da legislação consumerista é de responsabilidade objetiva (artigo 6º, VI), respondendo solidariamente todos os responsáveis pelo dano (artigo 7º, parágrafo único).

A legislação ambiental, por sua vez, considera como ‘poluidor’, e portanto, como responsável, indistintamente, toda ‘pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental’ (artigo 3º, inciso IV).

Conceito de dano

Devem ser considerados danos quaisquer efeitos adversos gerados ao meio ambiente, à saúde, ao uso sustentável da biodiversidade e também quaisquer prejuízos econômicos decorrentes do dano.
É fundamental que sejam considerados os danos ocasionados às práticas e costumes das comunidades indígenas e locais, uma vez que estas são essenciais à conservação da agrobiodiversidade.

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