domingo, 1 de janeiro de 2017

A VIDA DE JOÃO AMAZONAS (1912-2002)

Por Augusto Buonicore*


João Amazonas, o fundador da revista Princípios, foi mais do que o principal dirigente de um
partido político revolucionário. Ele foi uma verdadeira legenda. A sua vida se confunde com a própria história de luta do povo brasileiro no século XX. Ele é um exemplo de comunista e de brasileiro. Por tudo isso, como afirmou Bertolt Brecht, ele compõe as fileiras dos homens imprescindíveis.

Nascido em 1º de janeiro de 1912, na Cidade de Belém, no Pará, filho de família modesta, desde muito cedo se rebelou contra as péssimas condições em que viviam os trabalhadores. Em 1935, ingressou na Aliança Nacional Libertadora (ANL) e no Partido Comunista do Brasil.
Sua primeira tarefa partidária foi montar uma organização de base na fábrica onde trabalhava. Depois, partiu para organizar o sindicato da categoria. Este envolvimento sindical lhe acarretou sua primeira prisão.

Após o levante armado da ANL, em novembro de 1935, iniciou-se uma fase de dura perseguição aos comunistas. João Amazonas seria detido no início do ano seguinte e ficaria preso por mais de um ano. Saiu da cadeia poucos meses antes do golpe que instaurou a ditadura do Estado Novo. Amazonas, então, entrou na clandestinidade.

Em setembro de 1940 foi preso pela terceira vez. No início de agosto de 1941, ele e Pedro Pomar – algumas semanas depois de terem recebido a notícia da invasão das tropas nazistas na União Soviética – organizaram uma ousada fuga da prisão. Tendo chegado ao Rio de Janeiro, então capital da República, passaram a integrar o esforço de reorganização do PC do Brasil, cuja direção havia sido dizimada pela ditadura de Vargas.

Pouco tempo depois, em 1943, os comunistas puderam realizar vitoriosamente uma conferência nacional clandestina. Nela, Amazonas foi eleito membro do Comitê Central, ficando responsável pelo trabalho sindical e de massas. Foi o principal idealizador e organizador do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT) e, em dezembro de 1945, se elegeu deputado federal constituinte com uma das maiores votações do antigo Distrito Federal.

Entre 1947 e 1948, por sua ação decidida em defesa da democracia, da soberania nacional e dos direitos sociais dos trabalhadores, o PC do Brasil teve o seu registro e de seus deputados cassados. Prestes, Amazonas e os demais membros da comissão executiva caíram novamente na clandestinidade.

Um fato importante na formação teórica de Amazonas foi ter feito o curso de marxismo-leninismo na ex-URSS entre 1953 e 1955. Foram quase dois anos de estudos rigorosos que o ajudariam muito nos embates políticos e teóricos que viriam.

A partir da segunda metade de 1950, Amazonas participou ativamente da luta contra o reformismo que crescia no interior do movimento comunista, especialmente após o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Por esse motivo, em 1957, ele, Maurício Grabois e Diógenes Arruda foram destituídos da comissão executiva do Comitê Central.

A direção eleita no V Congresso realizado em 1960 tentou registrar um novo programa e estatuto, visando a conseguir sua legalização. Entre as alterações propostas incluíam-se a mudança do nome da organização, que passaria a se chamar Partido Comunista Brasileiro, e a retirada de qualquer referência ao internacionalismo proletário e ao marxismo-leninismo.
Amazonas e outros dirigentes protestaram e enviaram uma carta ao Comitê Central, assinada por cem comunistas. Nela exigiam a retirada dos documentos e a convocação de um novo congresso para discutir as mudanças propostas. Os principais signatários do documento foram expulsos do PC, agora, denominado “brasileiro”. Diante da impossibilidade de mudar os rumos que tomava a direção partidária, os membros da corrente revolucionária resolveram dar o passo decisivo no sentido de romper com os reformistas e reorganizar o Partido Comunista do Brasil: em fevereiro de 1962  realizaram uma conferência extraordinária na qual foi aprovado um manifesto-programa que reafirmava as teses e os princípios que consideravam marxista-leninistas. A vida comprovou que este acontecimento foi um ato de coragem e sagacidade política e de largo alcance histórico.

O golpe militar que viria a seguir, em 1964, representou para muitos militantes uma derrota da linha política apregoada pelo PC Brasileiro (PCB) e confirmou algumas das teses defendidas por João Amazonas e seus camaradas do PC do Brasil.
Entre 1968 e 1972, Amazonas participou ativamente da organização da Guerrilha do Araguaia, o principal movimento de contestação armada ao regime militar. No final de fevereiro de 1972 ele se vê obrigado a sair da região onde se preparava a resistência armada – o sul do Pará–, para participar de uma reunião do Comitê Central. Quando estava voltando teve notícia de que a ofensiva do exército contra os guerrilheiros havia começado. Os caminhos de sua reintegração à guerrilha estavam fechados.

Entre o final de 1972 e início de 1973 foram presos, barbaramente torturados e assassinados vários membros do Comitê Central. Era o começo da operação que visava a eliminar a direção do partido que promovia a Guerrilha do Araguaia. Em 16 de dezembro de 1976, a casa na qual havia se realizado uma reunião do Comitê Central foi cercada e metralhada pela repressão. Nesta operação repressiva foram assassinados Ângelo Arroio, Pedro Pomar e João Batista Drummond.

Na ocasião, Amazonas estava representando o Partido no exterior. Esta missão o salvou de uma morte certa, pois os militares tinham como um de seus objetivos principais a eliminação física do secretário-geral do PCdoB. Amazonas, obrigado a se exilar, só pôde voltar ao Brasil em 1979 depois da conquista da Anistia.
Amazonas foi sempre um opositor radical da ditadura militar e, por isso mesmo, odiado por ela. Nas selvas do Araguaia, a organizar com seus companheiros a resistência armada em defesa da democracia, nos palanques, em 1984, na campanha das diretas já! e, em 1985, nas articulações que levaram à escolha de um candidato único das oposições visando a derrotar a ditadura no colégio eleitoral, lá estava o incansável Amazonas. Ele sabia como ninguém articular amplitude e radicalidade, sem perder o rumo.

Ele não se dedicou apenas à luta política, mas se preocupou também com os problemas teóricos. Fez palestras, escreveu artigos e publicou livros. Uma viva demonstração do valor que ele dava à teoria, à luta de ideias, foi sua iniciativa de criar, em março de 1981, a revista Princípios, da qual foi editor durante anos. Ela é uma revista marxista brasileira de vida mais longa. Uma das originalidades de Princípios está no fato de articular teoria, política e informação, preenchendo assim uma lacuna existente no mercado editorial em nosso país.
Amazonas foi um ardoroso defensor da unidade das forças progressistas e um dos artífices da Frente Brasil Popular em 1989 que sustentou a primeira campanha de Lula à presidência.
Com a vitória de Fernando Collor, a luta contra o neoliberalismo passou a ser questão central da ação política das forças democráticas e populares. O PCdoB, com Amazonas à frente, defendeu a palavra-de-ordem “Fora Collor!” que empolgou a juventude brasileira e levou ao impedimento do presidente da República.

Mas a derrota de Collor não representou a derrota definitiva do neoliberalismo em nosso país. Com a vitória de FHC, o projeto recobra seu fôlego. Amazonas defendeu, então, a formação de uma ampla frente oposicionista, que tivesse como núcleo as forças de esquerda. Uma frente que se constituísse através de um programa nacional e democrático que apontasse para superação do neoliberalismo e se sustentasse num amplo movimento de massas. Esta concepção tática contribuiu decisivamente para a vitória de Lula em 2002.
Suas contribuições políticas e teóricas não se reduziram apenas ao Brasil. Desde o final da década de 1980, Amazonas foi um dos poucos que se colocou contra a política adotada por Gorbachev, denunciando-a como uma via de retorno ao capitalismo. O que propunham os líderes soviéticos naquela ocasião não era renovar o socialismo, depurando-o de seus erros e deformações, e sim de destruí-lo. Após a derrota do socialismo na URSS e no Leste europeu, Amazonas conclamou que a esquerda revolucionária realizasse um profundo balanço crítico dessas experiências. Refletisse sobre as derrotas, mas sem capitular diante da maré liberal e social-democratizante.

Era preciso reconhecer a crise e lutar para superá-la, reafirmando e atualizando o marxismo e o leninismo, sem dogmas. Ele deu uma contribuição teórica e ideológica  importante para que o socialismo fosse reafirmado em bases novas. Ele, de maneira ousada, propôs a unidade das diversas organizações que ainda reafirmavam sua identidade comunista. Diante da ofensiva mundial do imperialismo era preciso vencer o sectarismo e construir a unidade das forças avançadas.

No dia 27 de maio de 2002, morreu João Amazonas. Antes, do seu próprio punho deixou lavrado um pedido. Queria que suas cinzas fossem lançadas na região onde aconteceu a Guerrilha do Araguaia: “É uma forma de juntar-me aos que lá tombaram”.

***** Augusto Buonicore*

*Historiador e membro da Comissão Editorial de Princípios


Reportagem retirada da Coleção Revista Princípios, em maio de 2012, no Portal da Fundação Maurício Grabois, não se encontra mais disponível.

Leia em: http://blogoosfero.cc/partido-comunista-do-brasil-curitiba/blog/a-vida-de-joao-amazonas-1912-2002

Fonte não disponível: Acesso em 10 de maio de 2012 em: http://www.fmauriciograbois.org.br/portal/cdm/colecaoprincipios/inicio.swf

Leia Também:

1 de janeiro de 2015 - 13h10

João Amazonas ideólogo e construtor do PCdoB

Neste 1º de janeiro de 2015, se vivo fosse, João Amazonas ideólogo e construtor do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), completaria hoje 103 anos. João Amazonas viveu 90 anos, deste cerca de sete décadas foram dedicadas à atividade política, em defesa de convicções revolucionárias, sempre como militante do Partido Comunista do Brasil.
Joanne Mota, da redação do Vermelho.



26 de maio de 2015 - 23h07

Há 13 anos, perdemos João Amazonas; seu Partido lhe diz presente.

O dia 27 de maio será sempre lembrado pelos comunistas brasileiros com lágrimas e uma sensação de corte no coração. Nessa data, há 13 anos, faleceu o camarada João Amazonas, o líder político e ideólogo do PCdoB por quase meio século, seu refundador, quando ocorreu a divisão provocada pelo revisionismo entre 1958 e 1962.
Por José Reinaldo Carvalho*