Por Augusto
Buonicore*
João Amazonas, o fundador da revista Princípios, foi mais do
que o principal dirigente de um
partido político revolucionário. Ele foi uma
verdadeira legenda. A sua vida se confunde com a própria história de luta do
povo brasileiro no século XX. Ele é um exemplo de comunista e de brasileiro.
Por tudo isso, como afirmou Bertolt Brecht, ele compõe as fileiras dos homens
imprescindíveis.
Nascido em 1º de janeiro de 1912, na Cidade de Belém, no
Pará, filho de família modesta, desde muito cedo se rebelou contra as péssimas
condições em que viviam os trabalhadores. Em 1935, ingressou na Aliança
Nacional Libertadora (ANL) e no Partido Comunista do Brasil.
Sua primeira tarefa partidária foi montar uma organização de
base na fábrica onde trabalhava. Depois, partiu para organizar o sindicato da categoria.
Este envolvimento sindical lhe acarretou sua primeira prisão.
Após o levante armado da ANL, em novembro de 1935, iniciou-se
uma fase de dura perseguição aos comunistas. João Amazonas seria detido no
início do ano seguinte e ficaria preso por mais de um ano. Saiu da cadeia
poucos meses antes do golpe que instaurou a ditadura do Estado Novo. Amazonas,
então, entrou na clandestinidade.
Em setembro de 1940 foi preso pela terceira vez. No início de
agosto de 1941, ele e Pedro Pomar – algumas semanas depois de terem recebido a
notícia da invasão das tropas nazistas na União Soviética – organizaram uma
ousada fuga da prisão. Tendo chegado ao Rio de Janeiro, então capital da
República, passaram a integrar o esforço de reorganização do PC do Brasil, cuja
direção havia sido dizimada pela ditadura de Vargas.
Pouco tempo depois, em 1943, os comunistas puderam realizar
vitoriosamente uma conferência nacional clandestina. Nela, Amazonas foi eleito
membro do Comitê Central, ficando responsável pelo trabalho sindical e de
massas. Foi o principal idealizador e organizador do Movimento Unificador dos
Trabalhadores (MUT) e, em dezembro de 1945, se elegeu deputado federal
constituinte com uma das maiores votações do antigo Distrito Federal.
Entre 1947 e 1948, por sua ação decidida em defesa da
democracia, da soberania nacional e dos direitos sociais dos trabalhadores, o
PC do Brasil teve o seu registro e de seus deputados cassados. Prestes,
Amazonas e os demais membros da comissão executiva caíram novamente na clandestinidade.
Um fato importante na formação teórica de Amazonas foi ter
feito o curso de marxismo-leninismo na ex-URSS entre 1953 e 1955. Foram quase
dois anos de estudos rigorosos que o ajudariam muito nos embates políticos e
teóricos que viriam.
A partir da segunda metade de 1950, Amazonas participou
ativamente da luta contra o reformismo que crescia no interior do movimento
comunista, especialmente após o XX Congresso do Partido Comunista da União
Soviética (PCUS). Por esse motivo, em 1957, ele, Maurício Grabois e Diógenes
Arruda foram destituídos da comissão executiva do Comitê Central.
A direção eleita no V Congresso realizado em 1960 tentou
registrar um novo programa e estatuto, visando a conseguir sua legalização.
Entre as alterações propostas incluíam-se a mudança do nome da organização, que
passaria a se chamar Partido Comunista Brasileiro, e a retirada de qualquer
referência ao internacionalismo proletário e ao marxismo-leninismo.
Amazonas e outros dirigentes protestaram e enviaram uma carta
ao Comitê Central, assinada por cem comunistas. Nela exigiam a retirada dos
documentos e a convocação de um novo congresso para discutir as mudanças
propostas. Os principais signatários do documento foram expulsos do PC, agora,
denominado “brasileiro”. Diante da impossibilidade de mudar os rumos que tomava
a direção partidária, os membros da corrente revolucionária resolveram dar o
passo decisivo no sentido de romper com os reformistas e reorganizar o Partido
Comunista do Brasil: em fevereiro de 1962 realizaram uma conferência
extraordinária na qual foi aprovado um manifesto-programa que reafirmava as
teses e os princípios que consideravam marxista-leninistas. A vida comprovou
que este acontecimento foi um ato de coragem e sagacidade política e de largo
alcance histórico.
O golpe militar que viria a seguir, em 1964, representou
para muitos militantes uma derrota da linha política apregoada pelo PC
Brasileiro (PCB) e confirmou algumas das teses defendidas por João Amazonas e
seus camaradas do PC do Brasil.
Entre 1968 e 1972, Amazonas participou ativamente da
organização da Guerrilha do Araguaia, o principal movimento de contestação
armada ao regime militar. No final de fevereiro de 1972 ele se vê obrigado a
sair da região onde se preparava a resistência armada – o sul do Pará–, para
participar de uma reunião do Comitê Central. Quando estava voltando teve
notícia de que a ofensiva do exército contra os guerrilheiros havia começado.
Os caminhos de sua reintegração à guerrilha estavam fechados.
Entre o final de 1972 e início de 1973 foram presos,
barbaramente torturados e assassinados vários membros do Comitê Central. Era o
começo da operação que visava a eliminar a direção do partido que promovia a
Guerrilha do Araguaia. Em 16 de dezembro de 1976, a casa na qual havia se realizado
uma reunião do Comitê Central foi cercada e metralhada pela repressão. Nesta
operação repressiva foram assassinados Ângelo Arroio, Pedro Pomar e João
Batista Drummond.
Na ocasião, Amazonas estava representando o Partido no
exterior. Esta missão o salvou de uma morte certa, pois os militares tinham
como um de seus objetivos principais a eliminação física do secretário-geral do
PCdoB. Amazonas, obrigado a se exilar, só pôde voltar ao Brasil em 1979 depois
da conquista da Anistia.
Amazonas foi sempre um opositor radical da ditadura militar
e, por isso mesmo, odiado por ela. Nas selvas do Araguaia, a organizar com seus
companheiros a resistência armada em defesa da democracia, nos palanques, em
1984, na campanha das diretas já! e, em 1985, nas articulações que levaram à
escolha de um candidato único das oposições visando a derrotar a ditadura no
colégio eleitoral, lá estava o incansável Amazonas. Ele sabia como ninguém
articular amplitude e radicalidade, sem perder o rumo.
Ele não se dedicou apenas à luta política, mas se preocupou
também com os problemas teóricos. Fez palestras, escreveu artigos e publicou
livros. Uma viva demonstração do valor que ele dava à teoria, à luta de ideias,
foi sua iniciativa de criar, em março de 1981, a revista Princípios, da qual
foi editor durante anos. Ela é uma revista marxista brasileira de vida mais
longa. Uma das originalidades de Princípios está no fato de articular teoria,
política e informação, preenchendo assim uma lacuna existente no mercado
editorial em nosso país.
Amazonas foi um ardoroso defensor da unidade das forças
progressistas e um dos artífices da Frente Brasil Popular em 1989 que sustentou
a primeira campanha de Lula à presidência.
Com a vitória de Fernando Collor, a luta contra o
neoliberalismo passou a ser questão central da ação política das forças
democráticas e populares. O PCdoB, com Amazonas à frente, defendeu a
palavra-de-ordem “Fora Collor!” que empolgou a juventude brasileira e levou ao
impedimento do presidente da República.
Mas a derrota de Collor não representou a derrota definitiva
do neoliberalismo em nosso país. Com a vitória de FHC, o projeto recobra seu
fôlego. Amazonas defendeu, então, a formação de uma ampla frente oposicionista,
que tivesse como núcleo as forças de esquerda. Uma frente que se constituísse
através de um programa nacional e democrático que apontasse para superação do
neoliberalismo e se sustentasse num amplo movimento de massas. Esta concepção
tática contribuiu decisivamente para a vitória de Lula em 2002.
Suas contribuições políticas e teóricas não se reduziram
apenas ao Brasil. Desde o final da década de 1980, Amazonas foi um dos poucos
que se colocou contra a política adotada por Gorbachev, denunciando-a como uma
via de retorno ao capitalismo. O que propunham os líderes soviéticos naquela
ocasião não era renovar o socialismo, depurando-o de seus erros e deformações,
e sim de destruí-lo. Após a derrota do socialismo na URSS e no Leste europeu,
Amazonas conclamou que a esquerda revolucionária realizasse um profundo balanço
crítico dessas experiências. Refletisse sobre as derrotas, mas sem capitular
diante da maré liberal e social-democratizante.
Era preciso reconhecer a crise e lutar para superá-la,
reafirmando e atualizando o marxismo e o leninismo, sem dogmas. Ele deu uma contribuição
teórica e ideológica importante para que o socialismo fosse reafirmado em
bases novas. Ele, de maneira ousada, propôs a unidade das diversas organizações
que ainda reafirmavam sua identidade comunista. Diante da ofensiva mundial do
imperialismo era preciso vencer o sectarismo e construir a unidade das forças
avançadas.
No dia 27 de maio de 2002, morreu João Amazonas. Antes, do
seu próprio punho deixou lavrado um pedido. Queria que suas cinzas fossem
lançadas na região onde aconteceu a Guerrilha do Araguaia: “É uma forma de
juntar-me aos que lá tombaram”.
***** Augusto Buonicore*
*Historiador e membro da Comissão Editorial de Princípios
Reportagem retirada da Coleção Revista Princípios, em maio de 2012, no Portal da Fundação Maurício Grabois, não se encontra mais disponível.
Leia em: http://blogoosfero.cc/partido-comunista-do-brasil-curitiba/blog/a-vida-de-joao-amazonas-1912-2002
Fonte não disponível:
Acesso em 10 de maio de 2012 em: http://www.fmauriciograbois.org.br/portal/cdm/colecaoprincipios/inicio.swf
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1 de janeiro de 2015 - 13h10
João Amazonas ideólogo
e construtor do PCdoB
Neste 1º de janeiro de 2015, se vivo fosse, João Amazonas
ideólogo e construtor do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), completaria hoje
103 anos. João Amazonas viveu 90 anos, deste cerca de sete décadas foram
dedicadas à atividade política, em defesa de convicções revolucionárias, sempre
como militante do Partido Comunista do Brasil.
Joanne Mota, da redação do Vermelho.
26 de maio de 2015 - 23h07
Há 13 anos, perdemos
João Amazonas; seu Partido lhe diz presente.
O dia 27 de maio será sempre lembrado pelos comunistas
brasileiros com lágrimas e uma sensação de corte no coração. Nessa data, há 13
anos, faleceu o camarada João Amazonas, o líder político e ideólogo do PCdoB
por quase meio século, seu refundador, quando ocorreu a divisão provocada pelo
revisionismo entre 1958 e 1962.
Por José Reinaldo Carvalho*